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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Parteum e o rap transdisciplinar

Sou fã de rap e isso não é segredo. Meu primeiro flerte com o movimento hip-hop foi através de "O Homem na Estrada", clássico dos Racionais MCs, há uns bons anos. De lá pra cá, fui me aproximando cada vez mais dessa seara e os próprios artistas alcançaram um nível de excelência de produção e composição que deixa muito baluarte da MPB no chinelo. Mas isso é outra história.

Ou nem tanto assim. Afinal, Fabio Luiz (mais conhecido atualmente como o produtor e rapper Parteum, embora tenha sido skatista profissional por um tempo) é, talvez, o maior exemplo de excelência no gênero, em todos os sentidos. Além de bases criadas por ele mesmo - singulares em terra brasilis - as composições do rapper são nada menos do que tudo o que Edgar Morin vem dizendo há algum tempo sobre o aproveitamento da transdisciplinaridade. Fosse educador, Parteum certamente seria referência de conversão da teoria em prática. De todo modo, já o é (educador e referência) apenas fazendo música.

Poderia citar inúmeras de suas composições, mas preciso ser sucinto. Concentro, portanto, a postagem em torno do EP "A Autoridade da Razão", lançado no site da Trama Virtual em 2010. Para quem tem leituras de filosofia, já é possível perceber no título do álbum que o dono do petardo não está para brincadeira: "a autoridade da razão" é um dos principais conceitos do "Discurso Sobre o Método", de René Descartes. A propósito, nesta entrevista ele fala um pouco das ideias que permeiam seu trabalho. Deleitem-se.

Ao executar a primeira das sete faixas do EP, "A Força da Sugestão", é possível ouvir uma incrível dissertação a respeito do processo criativo, conduzindo o ouvinte a uma poderosa síntese em seu refrão: 

Parteum e seu rap: rhythm and philosophy
"Forma-Símbolo-Imagem-Ultrapassando a 
Margem-Fascinação-Viagem-Literatura". 

Em "1995/1998/2001" ele dispara: 

"O verso é como ônibus que lota
Antes mesmo de sair do ponto"

Ainda na mesma canção:

"Me chamam pelo nome mas não me conhecem
Me abraçam quando chego mas se perdem
Defendo teses em poucos parágrafos
Cenógrafo, do verbo iluminado
Polido feito pedras no período neolítico
Mudanças no algoritmo
Que explica cada emoção
Critico quem me quer ignorante
Tente ser relevante
Entenda que o papel aceita tudo, até mentira"

Não é viajar demais na maionese dizer que no trecho acima há pelo menos três áreas do conhecimento envolvidas com impressionante coerência. É material pedagógico, isso. E poético. Estou apaixonado.

Na faixa-título, que encerra o EP, ele mostra que pra ter autoridade na razão é preciso trabalhar também com o coração:

"Cheguei nesse planeta sob o signo da teimosia
Disseco filosofia pra mudar de rumo a prosa
Não imagine a cova, imagine estar além 
Rompendo o véu que nos separa do conhecimento pleno
Esqueça do veneno que nos separou na gênese
Ando por universos pesquisando outras versões de mim
Deus é todo mundo sorrindo ao mesmo tempo
Findo meu lamento quando lembro da força dos ancestrais
Meus batuques digitais são como o pé tocando a terra descalço"

Para encerrar, fica o clipe de "A Bagunça das Gavetas", também do mesmo EP, rodado inteiramente em Super-8. Atentem para o voo sobre a Biologia quando ele diz que "imaginárias linhas nos afastam feito prófase, metáfase, anáfase e telófase", mas não se prendam apenas a isso. Notem como é tudo muito além do que você, ingênuo leitor, esperaria:




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